lunes, 18 de junio de 2012




BREVE HISTORICO: A EJA NO BRASIL


Tentar historiar a educação de jovens e adultos no Brasil implicaria num risco de fracasso, pois se constitui de um universo plural de práticas formativas, estendendo-se por quase todos os domínios da vida social: ambientes escolares, família, locais de trabalho, espaços de convivência sociocultural e lazer, instituições religiosas, bem como nos meios de comunicação. (HADDAD, 2000, p.108)
Podemos, no entanto, traçar sobretudo a partir da segunda metade do século XX o pensamento pedagógico e as políticas públicas de educação escolar de jovens e adultos, apresentando como adquiriram identidade e feições próprias, e pensar seu desenvolvimento futuro.
A primeira iniciativa neste vetor foi a Constituição de 1934, sob a presidência de Getúlio Vargas em que o Estado não aparece apenas como Estado de Direito, mas configurou-se a salvaguardar as garantias individuais e dos direitos subjetivos, para pensar-se na problemática econômica, de um lado, e na problemática educacional e cultural, de outro. (FERRAZ ET al., 1984, p. 651 in HADDAD, 2000, p. 110).
O Plano Nacional de Educação/1934 também determinou as esferas de competência da União, reafirmou o direito de todos e o dever do Estado para com a educação; incluindo entre suas normas o ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo aos adultos. Pela primeira vez a educação de jovens e adultos era reconhecida e recebia um tratamento particular. (HADDAD, 2000, p.110) Observamos que pós Segunda Guerra Mundial, a UNESCO alertava para o papel da educação em combater desigualdades, em especial a educação de adultos. Essa perspectiva se refletiu no Brasil através da criação de Serviço de Educação de Adultos, Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos ambas em 1947, Campanha Nacional de Educação Rural (1952), Campanha de Erradicação do Analfabetismo.
Para Haddad (2000, p.111) essa ação do Estado pode ser entendida no quadro de expansão dos direitos sociais de cidadania, em resposta à presença de amplas massas populares que se urbanizavam e pressionavam por mais e melhores condições de vida; como estratégia de incorporação dessa massa urbana em mecanismos de sustentação política dos governos nacionais, mas também uma qualificação mínima à força de trabalho para o bom desempenho dos projetos nacionais de desenvolvimento.
Sobretudo nos anos 60, houve uma preocupação dos educadores em redefinir as características específicas e um espaço próprio para essa modalidade de ensino; uma nova forma do pensar pedagógico com adultos. Neste contexto, é possível identificar a proposta freireana, que objetivava o ensino conscientizador, contextualizado, significativo, político e transformador para promover a emancipação e cidadania dos educandos.[1] Propunha-se, a renovação dos métodos e processos educativos, substituindo o discurso pela discussão e utilizando as modernas técnicas de educação de grupos com a ajuda de recursos audiovisuais.  É importante destacarmos que foram anos de turbulência política em que diversos políticos buscavam nas camadas populares a sustentação de suas propostas e a educação foi este viés. (PAIVA, 1973, p. 210 in HADDAD, 2000, p.113 )
Para Haddad (2000, p.113) o golpe militar produziu uma ruptura política em função da qual os movimentos de educação e cultura populares foram reprimidos, seus dirigentes, perseguidos, seus ideais, censurados. Porém com o mesmo discurso de desenvolvimento do país, como os militares propunham-se construir, seria difícil conciliar a manutenção dos baixos níveis de escolaridade da população. Desse contexto surgem então o MOBRAL (1967), o Ensino Supletivo (1971) e a LDB (1971).
O MOBRAL tinha o objetivo de livrar o país do analfabetismo e simultaneamente realizar uma ação ideológica capaz de assegurar a estabilidade do ‘status quo’, permitindo às empresas contar com amplos contingentes de força de trabalho alfabetizada[2] (PAIVA, 1982, p. 100 In HADDAD, 2000, p.115 ).
Desenvolveu-se através de programas como Programa de Alfabetização, PEI e convênios com instituições privadas: SENAI e SENAC, FCBTVE, dentre outros. Essas mantiveram-se afastadas da ideologia anterior de educação popular, restringindo-se a manter controle doutrinários das massas, bem como formar uma infraestrutura de recursos humanos, apropriada às necessidades socioeconômicas, políticas e culturais do país. O Estado por sua vez não assumiu a responsabilidade pela gratuidade e expansão destas modalidades, deixando a educação de jovens e adultos sob os interesses do ensino privado.
            Após a redemocratização do país, os direitos educativos dos brasileiros foram assegurados: a Constituição de 1988 fez o reconhecimento social dos direitos das pessoas jovens e adultas à educação fundamental, com responsabilização do Estado por sua oferta pública, gratuita e universal, prevendo inclusive elaboração de Planos Nacionais de Educação Plurianuais.[3] Para maior aplicabilidade da legislação, a obrigatoriedade do Ensino Infantil foi designada aos Municípios e o Ensino Fundamental e Médio aos Estados e o Superior ao Federal.
O MOBRAL foi substituído pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos – Educar, que com a diretriz de descentralização fez com que a Fundação assumisse o papel de órgão de fomento e apoio técnico em apoio aos municípios, estados e organizações da sociedade civil, através dos convênios e assistência técnica aos parceiros, que passaram a deter maior autonomia para definir seus projetos políticos-pedagógicos.
Ao fim dos anos 90, foi necessário outro plano de política educacional, devido ao requisito que o Brasil (na condição de um dos nove países que mais contribuem para o elevado número de analfabetos no planeta – era necessário o desenvolvimento do país[4]) pudesse ter acesso prioritário a créditos internacionais vinculados aos compromissos assumidos na Conferência Mundial de Educação para Todos e de Hamburgo; fixou metas de prover oportunidades de acesso e progressão no ensino fundamental a 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de jovens e adultos pouco escolarizados. Esses investimentos teriam como base o paradigma de que a educação de jovens e adultos seria aprendizagem ao longo da vida, uma educação permanente, para desenvolvimento pessoal e direito de cidadania. (PIERRO, 2005,p. 1119)
A promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, detalhou a organização do sistema educativo proposto, identificando atribuições/objetivos; em especial na Seção V do Capítulo II da Educação Básica, que determina aos sistemas de ensino assegurar cursos e exames que proporcionem oportunidades educacionais apropriadas aos interesses, condições de vida e trabalho dos jovens e aos adultos. (DI PIERRO; GRACIANO, 2003, P.11)
Como fora previsto, na Constituição em 1997 foi elaborado o Plano Nacional da Educação (PNE), objetivando resgatar a dívida social representada pelo analfabetismo e erradicá-lo; treinar o imenso contingente de jovens e adultos para a inserção no mercado de trabalho; e criar oportunidades de educação permanente. Porém Haddad (2000, p.119) analisa que essas Políticas Públicas na história da educação de jovens e adultos pós  redemocratização, foram marcadas pela contradição entre a afirmação no plano jurídico do direito formal da população jovem e adulta à educação básica, de um lado, e sua negação pelas políticas públicas concretas, de outro.
A reforma educacional veio sendo implementada sob o imperativo de restrição do gasto público, de base neoliberal; descentralizando os encargos financeiros com a educação, racionalizando e redistribuindo o gasto público em favor do Ensino Fundamental obrigatório, aos estados e municípios através do FUNDEF (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério) que negligenciou incentivo e investimentos destinados a educação básica de jovens e adultos, implicando num processo de marginalização; privilegiando o ensino fundamental de crianças de 7 a 14 anos.(PIERRO, 2001)
Houve uma dispersão dos programas federais ao longo da segunda metade dos anos 90: foram concebidos e tiveram início três programas federais de formação de jovens e adultos de baixa renda e escolaridade que guardavam entre si pelo menos dois traços comuns: nenhum deles é coordenado pelo Ministério da Educação e todos são desenvolvidos em regime de parceria, envolvendo diferentes instâncias governamentais, organizações da sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa (centrais sindicais de trabalhadores e fundações empresariais, Igrejas, Sistema S, ONGs) Como exemplo temos o PAS (Programa de Alfabetização Solidária), PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), PLANFOR (Plano Nacional de Formação do Trabalhador).
Na reforma de ensino brasileira, a diretriz de privatização da educação não assumiu o formato de transferência direta de serviços públicos ao setor privado porque a Constituição de 1988 estabeleceu que o ensino público seria gratuito em todos os níveis; entretanto, vem ocorrendo por um mecanismo indireto; a omissão do Estado deixa abertos espaços para iniciativa privada, sempre que uma parcela da população possa arcar com seus custos. (PIERRO, 2001)
No governo seguinte de Luís Inácio Lula da Silva, observamos a criação do Programa Brasil Alfabetizado:[...] a alfabetização de jovens, adultos e idosos, desenvolvido em todo o território nacional, com o atendimento prioritário a 1.928 municípios que apresentam taxa de analfabetismo igual ou superior a 25%. Desse total, 90% localizam-se na região Nordeste (MEC 2003).
No ano de 2005 foi lançado o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM, e em 2007 o Programa Nacional De Integração Da Educação Profissional Com A Educação Básica – PROEJA, ambos com o público em EJA, porém de caráter assistencialista e que não ofereceu um efetivo acesso a educação, devido a descontinuidades e voluntarismo.(RUMMERT, 2007, P.43 )
Em 2007, também foi lançado o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB, em substituição ao FUNDEF que em sua abrangência, incluiu da educação infantil ao ensino médio, incluindo a EJA como modalidade de ensino. No entanto, percebe-se uma desigualdade na destinação dos recursos financeiros para a EJA, pois mesmo com o aumento da demanda, a quantidade de recurso permanece a mesma. (SILVA, MARIA JEANE BOMFIM DA SILVA ET AL) [5]
Diante da realidade que se nos apresenta é explicita a concepção de que a EJA ainda é vista como educação de menor valor e que a mesma necessita de investimentos capazes de garantir o acesso e a permanência deste público, bem como políticas educacionais eficazes em contraposição a campanhas e programas emergenciais.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:
DI PIERRO, Maria Clara; GRACIANO, Mariângela. A Educação De Jovens E Adultos No Brasil Informe Apresentado À Oficina Regional Da UNESCO Para América Latina Y Caribe, 2003 . Disponível em http://alfabetizarvirtualtextos.files.wordpress.com/2011/08/a-educac3a7c3a3o-de-jovens-e-adultos-no-brasil.pdf. Acessado dia 20/03/2012

DI PIERRO, Maria Clara. Notas Sobre A Redefinição Da Identidade E Das Políticas Públicas De Educação De Jovens e Adultos No Brasil. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v26n92/v26n92a18.pdf, Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 92, p. 1115-1139, Especial - Out. 2005 1115. Acessado dia 21/03/2012

_________________A Educação De Jovens E Adultos No Plano Nacional De Educação: Avaliação, Desafios E Perspectivas educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 112, p. 939-959, jul.-set. 2010 939 Disponível em
http://www.cedes.unicamp.br. Acessado dia 25/03/2012

__________________Descentralização, focalização e parceria: uma análise das tendências nas políticas públicas de educação de jovens e adultos
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Educ. Pesqui. vol.27 no.2 São Paulo July/Dec. 2001. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-97022001000200009&script=sci_arttext. Acessado dia 24/03/2012


HADDAD, Sérgio, DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação, n. 14, maio-ago 2000, p.108-130.Disponível em  http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/rbde14/rbde14_08_sergio_haddad_e_maria_clara_di_pierro.pdf Acesso em dezembro de 2011

HADDAD, Sergio. Estado e Educação de Adultos (1964 - 1985). São Paulo: Faculdade de Educação da USP, 1991.


[1] Caracterizado pela expressão: Educação Popular.
[2] Incluindo também neste contexto o Ensino Supletivo.
[3] Constituição Federal, Artigos 211 a 214
[4] Grifo meu
[5] Disponível em http://epealufal.com.br/media/anais/399.pdf. Acessado em 30/03/2012