BREVE HISTORICO: A EJA NO BRASIL
Tentar historiar a educação
de jovens e adultos no Brasil implicaria num risco de fracasso, pois se
constitui de um universo plural de práticas formativas, estendendo-se por quase
todos os domínios da vida social: ambientes escolares, família, locais de
trabalho, espaços de convivência sociocultural e lazer, instituições
religiosas, bem como nos meios de comunicação. (HADDAD, 2000, p.108)
Podemos,
no entanto, traçar sobretudo a partir da segunda metade do século XX o
pensamento pedagógico e as políticas públicas de educação escolar de jovens e
adultos, apresentando como adquiriram identidade e feições próprias, e pensar seu desenvolvimento futuro.
A primeira iniciativa neste
vetor foi a Constituição de 1934, sob a presidência de Getúlio Vargas em que o
Estado não aparece apenas como Estado de Direito, mas configurou-se a
salvaguardar as garantias individuais e dos direitos subjetivos, para pensar-se
na problemática econômica, de um lado, e na problemática educacional e
cultural, de outro. (FERRAZ ET al., 1984, p. 651 in HADDAD, 2000, p. 110).
O Plano Nacional de Educação/1934
também determinou as esferas de competência da União, reafirmou o direito de
todos e o dever do Estado para com a educação; incluindo entre suas normas o
ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo aos
adultos. Pela primeira vez a educação de jovens e adultos era reconhecida e
recebia um tratamento particular. (HADDAD, 2000, p.110) Observamos que pós Segunda Guerra Mundial, a UNESCO alertava
para o papel da educação em combater desigualdades, em especial a educação de
adultos. Essa perspectiva se refletiu no Brasil através da criação de Serviço
de Educação de Adultos, Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos ambas em
1947, Campanha Nacional de Educação Rural (1952), Campanha de Erradicação do
Analfabetismo.
Para Haddad (2000, p.111)
essa ação do Estado pode ser entendida no quadro de expansão dos direitos
sociais de cidadania, em resposta à presença de amplas massas populares que se
urbanizavam e pressionavam por mais e melhores condições de vida; como
estratégia de incorporação dessa massa urbana em mecanismos de sustentação
política dos governos nacionais, mas também uma qualificação mínima à força de
trabalho para o bom desempenho dos projetos nacionais de desenvolvimento.
Sobretudo nos anos 60, houve
uma preocupação dos educadores em redefinir as características específicas e um
espaço próprio para essa modalidade de ensino; uma nova forma do pensar pedagógico
com adultos. Neste contexto, é possível identificar a proposta freireana, que
objetivava o ensino conscientizador, contextualizado, significativo, político e
transformador para promover a emancipação e cidadania dos educandos.[1]
Propunha-se, a renovação dos métodos e processos
educativos, substituindo o discurso pela discussão e utilizando as modernas
técnicas de educação de grupos com a ajuda de recursos audiovisuais. É importante destacarmos
que foram anos de turbulência política em que diversos políticos buscavam nas
camadas populares a sustentação de suas propostas e a educação foi este viés. (PAIVA,
1973, p. 210 in HADDAD, 2000, p.113 )
Para
Haddad (2000, p.113) o golpe militar produziu uma ruptura política em função da qual os
movimentos de educação e cultura populares foram reprimidos, seus dirigentes,
perseguidos, seus ideais, censurados. Porém com o mesmo discurso de
desenvolvimento do país, como os militares propunham-se construir, seria
difícil conciliar a manutenção dos baixos níveis de escolaridade da população. Desse
contexto surgem então o MOBRAL (1967), o Ensino Supletivo (1971) e a LDB (1971).
O MOBRAL tinha o objetivo de livrar o país do
analfabetismo e simultaneamente realizar uma ação ideológica capaz de assegurar
a estabilidade do ‘status quo’, permitindo às empresas contar com amplos
contingentes de força de trabalho alfabetizada[2] (PAIVA, 1982,
p. 100 In HADDAD, 2000, p.115 ).
Desenvolveu-se através de programas como Programa de
Alfabetização, PEI e convênios com instituições privadas: SENAI e SENAC,
FCBTVE, dentre outros. Essas mantiveram-se afastadas da ideologia anterior de
educação popular, restringindo-se a manter controle doutrinários das massas,
bem como formar uma infraestrutura de recursos humanos, apropriada às
necessidades socioeconômicas, políticas e culturais do país. O Estado por sua
vez não assumiu a responsabilidade pela gratuidade e expansão destas
modalidades, deixando a educação de jovens e adultos sob os interesses do
ensino privado.
Após
a redemocratização do país, os direitos educativos dos brasileiros foram
assegurados: a Constituição de 1988 fez o reconhecimento social dos direitos
das pessoas jovens e adultas à educação fundamental, com responsabilização do
Estado por sua oferta pública, gratuita e universal, prevendo inclusive elaboração
de Planos Nacionais de Educação Plurianuais.[3] Para
maior aplicabilidade da legislação, a obrigatoriedade do Ensino Infantil foi
designada aos Municípios e o Ensino Fundamental e Médio aos Estados e o
Superior ao Federal.
O MOBRAL foi substituído pela Fundação Nacional para
Educação de Jovens e Adultos – Educar, que com a diretriz de descentralização
fez com que a Fundação assumisse o papel de órgão de fomento e apoio técnico em
apoio aos municípios, estados e organizações da sociedade civil, através dos
convênios e assistência técnica aos parceiros, que passaram a deter maior
autonomia para definir seus projetos políticos-pedagógicos.
Ao fim dos anos 90, foi necessário outro plano de
política educacional, devido ao requisito que o Brasil (na condição de um dos
nove países que mais contribuem para o elevado número de analfabetos no planeta
– era necessário o desenvolvimento do
país[4])
pudesse ter acesso prioritário a créditos internacionais vinculados aos
compromissos assumidos na Conferência Mundial de Educação para Todos e de
Hamburgo; fixou metas de prover oportunidades de acesso e progressão no ensino
fundamental a 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de jovens e adultos
pouco escolarizados. Esses investimentos teriam como base o paradigma de que a
educação de jovens e adultos seria aprendizagem ao longo da vida, uma educação
permanente, para desenvolvimento pessoal e direito de cidadania. (PIERRO, 2005,p. 1119)
A promulgação da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, detalhou a organização do sistema educativo proposto,
identificando atribuições/objetivos; em especial na Seção V do Capítulo II da
Educação Básica, que determina aos sistemas de ensino assegurar cursos e exames
que proporcionem oportunidades educacionais apropriadas aos interesses,
condições de vida e trabalho dos jovens e aos adultos. (DI PIERRO; GRACIANO,
2003, P.11)
Como fora previsto, na Constituição em 1997 foi elaborado
o Plano Nacional da Educação (PNE), objetivando resgatar a dívida social
representada pelo analfabetismo e erradicá-lo; treinar o imenso contingente de
jovens e adultos para a inserção no mercado de trabalho; e criar oportunidades
de educação permanente. Porém Haddad (2000, p.119) analisa que essas Políticas
Públicas na história da educação de jovens e adultos pós redemocratização, foram marcadas pela
contradição entre a afirmação no plano jurídico do direito formal da população
jovem e adulta à educação básica, de um lado, e sua negação pelas políticas
públicas concretas, de outro.
A reforma educacional veio sendo implementada sob o
imperativo de restrição do gasto público, de base neoliberal; descentralizando
os encargos financeiros com a educação, racionalizando e redistribuindo o gasto
público em favor do Ensino Fundamental obrigatório, aos estados e municípios
através do FUNDEF (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização
do Magistério) que negligenciou incentivo e investimentos destinados a educação
básica de jovens e adultos, implicando num processo de marginalização;
privilegiando o ensino fundamental de crianças de 7 a 14 anos.(PIERRO, 2001)
Houve uma dispersão dos programas federais ao longo
da segunda metade dos anos 90: foram concebidos e tiveram início três programas
federais de formação de jovens e adultos de baixa renda e escolaridade que
guardavam entre si pelo menos dois traços comuns: nenhum deles é coordenado
pelo Ministério da Educação e todos são desenvolvidos em regime de parceria,
envolvendo diferentes instâncias governamentais, organizações da sociedade
civil e instituições de ensino e pesquisa (centrais sindicais de trabalhadores e fundações empresariais, Igrejas,
Sistema S, ONGs) Como exemplo temos o PAS (Programa de Alfabetização
Solidária), PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), PLANFOR
(Plano Nacional de Formação do Trabalhador).
Na reforma de ensino
brasileira, a diretriz de privatização da educação não assumiu o formato de
transferência direta de serviços públicos ao setor privado porque a
Constituição de 1988 estabeleceu que o ensino público seria gratuito em todos
os níveis; entretanto, vem ocorrendo por um mecanismo indireto; a omissão do
Estado deixa abertos espaços para iniciativa privada, sempre que uma parcela da
população possa arcar com seus custos. (PIERRO,
2001)
No governo seguinte de Luís Inácio Lula da Silva,
observamos a criação do Programa Brasil Alfabetizado:[...] a alfabetização de
jovens, adultos e idosos, desenvolvido em todo o território nacional, com o
atendimento prioritário a 1.928 municípios que apresentam taxa de analfabetismo
igual ou superior a 25%. Desse total, 90% localizam-se na região Nordeste (MEC
2003).
No ano de 2005 foi lançado o Programa Nacional de
Inclusão de Jovens – PROJOVEM, e em 2007 o Programa Nacional De Integração Da
Educação Profissional Com A Educação Básica – PROEJA, ambos com o público em
EJA, porém de caráter assistencialista e que não ofereceu um efetivo acesso a
educação, devido a descontinuidades e voluntarismo.(RUMMERT, 2007, P.43 )
Em
2007, também foi lançado o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica –
FUNDEB, em substituição ao FUNDEF que em sua abrangência, incluiu da educação
infantil ao ensino médio, incluindo a EJA como modalidade de ensino. No
entanto, percebe-se uma desigualdade na destinação dos recursos financeiros
para a EJA, pois mesmo com o aumento da demanda, a quantidade de recurso
permanece a mesma. (SILVA, MARIA JEANE BOMFIM DA SILVA ET AL) [5]
Diante da realidade que se
nos apresenta é explicita a concepção de que a EJA ainda é vista como educação
de menor valor e que a mesma necessita de investimentos capazes de garantir o
acesso e a permanência deste público, bem como políticas educacionais eficazes
em contraposição a campanhas e programas emergenciais.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:
DI PIERRO, Maria Clara; GRACIANO, Mariângela. A Educação De Jovens E Adultos No Brasil Informe Apresentado À Oficina
Regional Da UNESCO Para América Latina Y Caribe, 2003 . Disponível
em http://alfabetizarvirtualtextos.files.wordpress.com/2011/08/a-educac3a7c3a3o-de-jovens-e-adultos-no-brasil.pdf. Acessado dia 20/03/2012
DI PIERRO,
Maria Clara. Notas Sobre A Redefinição
Da Identidade E Das Políticas Públicas De Educação De Jovens e Adultos No
Brasil. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v26n92/v26n92a18.pdf, Educ. Soc.,
Campinas, vol. 26, n. 92, p. 1115-1139, Especial - Out. 2005 1115. Acessado dia
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_________________A Educação De Jovens E Adultos No Plano Nacional De Educação: Avaliação, Desafios E Perspectivas educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 112, p. 939-959, jul.-set. 2010 939 Disponível em
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__________________Descentralização, focalização e parceria: uma análise das tendências nas políticas públicas de educação de jovens e adultos
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Educ. Pesqui. vol.27 no.2 São Paulo July/Dec. 2001. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-97022001000200009&script=sci_arttext. Acessado dia 24/03/2012
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HADDAD, Sérgio, DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação, n. 14, maio-ago 2000, p.108-130.Disponível em http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/rbde14/rbde14_08_sergio_haddad_e_maria_clara_di_pierro.pdf Acesso em dezembro de 2011
HADDAD, Sergio. Estado e Educação
de Adultos (1964 - 1985). São Paulo: Faculdade de Educação da USP, 1991.